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20 de Abril de 2024

Dinheiro do petróleo chega a mais municípios. Eles saberão usar?

A produção no pré-sal aumenta a verba de petróleo para prefeituras. Mas, por onde passou, esse dinheiro deixou mais contas a pagar do que desenvolvimento

Publicado por Aila Tamina
há 6 anos

SAMANTHA LIMA

04/12/2017 - 08h00 - Atualizado 04/12/2017 15h17

 Na escola municipal Guaratiba, num bairro à beira-mar de Maricá, região metropolitana do Rio de Janeiro, pequenos estudantes chegam aos grupos, entre 7 horas e 8 horas da manhã. Vestidas com o uniforme azul-turquesa onde se lê “Maricá” bordado na gola, as crianças entram e rumam para as primeiras atividades do dia. Vê-se que elas perderam boa parte do espaço do pátio para uma estrutura em módulos, improvisada, dentro da qual ocorrem aulas e outras atividades. São contêineres, usados também em outras escolas.  A prefeitura recorre a eles há pelo menos três anos para acomodar o crescimento no número de alunos na rede, de 80% desde 2010. O improviso nas instalações não é o único problema. A rede municipal não atingiu as metas do Ministério da Educação para o estado no Índice de Desempenho da Educação Básica para o ensino fundamental. “Temos alunos no 7º ano que não sabem dividir”, diz uma profissional da rede, que pede anonimato. “As escolas estão inchadas. O governo quer aumentar as matrículas e ampliar o turno integral, mas não constrói escolas. As crianças têm de se revezar entre as aulas e atividades no pátio por falta de espaço.” Na lógica tradicional da política pública brasileira, tais falhas seriam atribuídas à falta de verba. Não é o caso. A receita de Maricá deverá encerrar o ano 60% maior que a de 2016, o oposto da maioria das prefeituras brasileiras, sufocadas pela queda na arrecadação causada pela crise. O município se tornou, neste ano, o principal recebedor de receitas pela exploração de petróleo. Nos últimos 12 meses, R$ 726 milhões irrigaram os cofres da prefeitura.


Entram nessa conta dois tipos de verba: royalties e participações especiais (PE). Os royalties compensam municípios com orla de frente para a área explorada – a ideia é pagá-los pela extração de recursos naturais e por danos à natureza, possíveis ou reais. Já as PE servem para distribuir o lucro de campos ultraprodutivos, como Lula e Sapinhoá, alinhados com Maricá. Por causa dos trabalhos 200 quilômetros mar adentro, os dois tipos de recursos fluem para a cidade. Representam uma dinheirama para um município de 153 mil habitantes. Esse dinheiro novo deveria ser gasto de forma a construir benefício duradouro e aumentar o dinamismo econômico futuro da área – uma ponderação crucial, já que o petróleo é um recurso finito. Podem entrar numa lista ideal de investimentos projetos em muitas áreas, como educação, treinamento profissional, proteção ambiental, infraestrutura e atração de turistas (Maricá tem orla bonita e seis lagoas exuberantes, mas não se destaca como destino nobre de turismo). O dinheiro do petróleo, porém, vem tomando outro rumo.

 Na escola municipal Guaratiba, num bairro à beira-mar de Maricá, região metropolitana do Rio de Janeiro, pequenos estudantes chegam aos grupos, entre 7 horas e 8 horas da manhã. Vestidas com o uniforme azul-turquesa onde se lê “Maricá” bordado na gola, as crianças entram e rumam para as primeiras atividades do dia. Vê-se que elas perderam boa parte do espaço do pátio para uma estrutura em módulos, improvisada, dentro da qual ocorrem aulas e outras atividades. São contêineres, usados também em outras escolas.  A prefeitura recorre a eles há pelo menos três anos para acomodar o crescimento no número de alunos na rede, de 80% desde 2010. O improviso nas instalações não é o único problema. A rede municipal não atingiu as metas do Ministério da Educação para o estado no Índice de Desempenho da Educação Básica para o ensino fundamental. “Temos alunos no 7º ano que não sabem dividir”, diz uma profissional da rede, que pede anonimato. “As escolas estão inchadas. O governo quer aumentar as matrículas e ampliar o turno integral, mas não constrói escolas. As crianças têm de se revezar entre as aulas e atividades no pátio por falta de espaço.” Na lógica tradicional da política pública brasileira, tais falhas seriam atribuídas à falta de verba. Não é o caso. A receita de Maricá deverá encerrar o ano 60% maior que a de 2016, o oposto da maioria das prefeituras brasileiras, sufocadas pela queda na arrecadação causada pela crise. O município se tornou, neste ano, o principal recebedor de receitas pela exploração de petróleo. Nos últimos 12 meses, R$ 726 milhões irrigaram os cofres da prefeitura.

 Entram nessa conta dois tipos de verba: royalties e participações especiais (PE). Os royalties compensam municípios com orla de frente para a área explorada – a ideia é pagá-los pela extração de recursos naturais e por danos à natureza, possíveis ou reais. Já as PE servem para distribuir o lucro de campos ultraprodutivos, como Lula e Sapinhoá, alinhados com Maricá. Por causa dos trabalhos 200 quilômetros mar adentro, os dois tipos de recursos fluem para a cidade. Representam uma dinheirama para um município de 153 mil habitantes. Esse dinheiro novo deveria ser gasto de forma a construir benefício duradouro e aumentar o dinamismo econômico futuro da área – uma ponderação crucial, já que o petróleo é um recurso finito. Podem entrar numa lista ideal de investimentos projetos em muitas áreas, como educação, treinamento profissional, proteção ambiental, infraestrutura e atração de turistas (Maricá tem orla bonita e seis lagoas exuberantes, mas não se destaca como destino nobre de turismo). O dinheiro do petróleo, porém, vem tomando outro rumo.

 A prefeitura de Maricá afirma investir essa verba “com responsabilidade”, promete prestar contas mais detalhadas até o fim do ano e divulgar “em breve” um plano de investimentos para os próximos três anos. Três anos de horizonte é pouco e, até o momento, as realizações do poder municipal não inspiram.

 As filhas do pedreiro Francisco Sales Santos estudam na escola Guaratiba. Ele não menciona como problemas o uso dos contêineres nem o ensino local fraco. Diz-se satisfeito com a prefeitura, sob gestões petistas há nove anos, porque as ruas estão sendo asfaltadas e a renda da família recebe reforço de R$ 130, graças ao programa de moeda social Mumbuca. “Compramos coisas para as meninas”, diz. Cidadãos e prefeitura seguem um roteiro já conhecido – e perigoso – em áreas sob efeito do petróleo. O dinheiro novo, além de não acarretar o benefício duradouro esperado, pode criar fontes de gastos permanentes, como inchaço do quadro de funcionários públicos.

 O asfaltamento de ruas vem ocorrendo mesmo – completaram-se 500 quilômetros. Mas não faz parte de nenhum plano de longo prazo. “Não há rede de esgoto em vários bairros. Vamos ter de quebrar o asfalto novo na hora de trazer as tubulações?”, questiona outro morador, o aposentado Valdir Pacheco, de 63 anos, que vive em Maricá há 35. Uma em cada três casas não tem saneamento adequado, e as lagoas recebem esgoto sem tratamento. O promotor de justiça Leonardo Cuña atua em cidades campeãs de royalties há uma década e reconhece um padrão vicioso. “Há insistência em mostrar serviço, com obras que chamam a atenção, como asfalto e embelezamento da rua. Quando o dinheiro entra fácil, perde-se no planejamento deficiente.” O programa de renda mínima com a moeda social Mumbuca foi ampliado neste ano de 13 mil para 16 mil famílias, ou 40% da população, mais que os 33% enquadrados pelo IBGE abaixo da linha de pobreza. O pagamento mensal foi reajustado de R$ 90 para R$ 130. Custa R$ 25 milhões por ano. “É importante distribuir renda, mas seria melhor investir mais em saúde e educação”, diz o comerciante Marco Antônio Bandeira, dono de uma mercearia que aceita a moeda social.

 Entre os pagamentos feitos com royalties, segundo o Portal da Transparência do site da prefeitura, constam despesas com prestadoras de serviço de telefonia e eletricidade, agências de comunicação e publicidade, segurança, material de escritório, combustível, tributos e até shows, como o do grupo de forró Falamansa e a menos conhecida banda Beijo de Mulher. Tais gastos consumiram R$ 162 milhões até setembro deste ano, ou 27% do dinheiro do petróleo. Em 2016, ano em que o prefeito Washington Quaquá elegeu seu sucessor, Fabiano Horta, esses gastos chegaram a R$ 272 milhões. Parte disso foi pagamento de 13o salário ao funcionalismo, uma afronta às regras de bom uso dos royalties. O número de funcionários da prefeitura saltou de 3.700, em 2011, para 7.800 hoje. A parcela de nomeados para cargos de confiança ou assessoramento subiu de um quarto em 2014 para um terço atualmente. A prefeitura gera, portanto, 60% dos quase 13 mil empregos formais da cidade, um indicador de falta de dinamismo econômico. As despesas da prefeitura, hoje o triplo das de cinco anos atrás, avançam na mesma velocidade que as receitas. O investimento triplicou, mas em 2016 foi destino de apenas 30% do dinheiro do petróleo. O prefeito Quaquá é réu em algumas ações por improbidade administrativa (ele alega que precisava contratar pessoal – “para melhorar a vida do povo, é preciso de gente atendendo” – e que iniciou um plano de desenvolvimento econômico de 20 anos. Sobre as acusações de improbidade, diz que o Ministério Público “exagera nas suas atribuições” e que responde a ações por motivos injustos).

 Há três anos, a prefeitura de Maricá fecha as contas com pequeno superávit primário (o saldo usado para pagar juros da dívida pública) e deixa restos a pagar para o ano seguinte. O que acontece ali – e em municípios como Niterói, no Rio de Janeiro, e Ilhabela, em São Paulo – já foi visto em Campos, Cabo Frio, Macaé e Quissamã, para ficar nos principais recebedores de royalties e PE das últimas duas décadas. Campos chegou a receber R$ 1,2 bilhão em 2013. “Foi, por muitos anos, o município com um dos maiores orçamentos do país, mas hoje enfrenta cortes nos serviços públicos”, diz José Luís Vianna, professor na Universidade Cândido Mendes (Ucam) em Campos e estudioso do tema. “Enquanto a produção de petróleo cresce, as cidades esquecem que o recurso se esgota”, afirma o professor de administração Ricardo Macedo, da escola de negócios Ibmec-RJ. “É preciso que façam a transformação necessária para atenuar um revés no ciclo econômico.” O ciclo entrou na fase de baixa para Campos e outros municípios porque a produção de petróleo migra para o sul.

 A fim de acelerar a saída da crise financeira, a Petrobras se volta para os poços altamente produtivos da Bacia de Santos (de frente para o litoral sul fluminense e a maior parte do litoral paulista). Faz isso em detrimento da Bacia de Campos (de frente para o litoral norte fluminense), explorada desde os anos 1980 e hoje em declínio. A mudança e a queda no preço do barril derrubaram em até 60% o fluxo de dinheiro para municípios de frente para a Bacia de Campos. Mesmo assim, a prefeitura de Campos, na gestão Rosinha Garotinho (de 2012 a 2016), montou, no ano passado, um orçamento com expectativa de royalties R$ 250 milhões acima do recebido. As contas fecharam com rombo de R$ 1 bilhão. O atual prefeito de Campos, Rafael Diniz, adversário político de Anthony Garotinho, marido de Rosinha, mandou cortar o orçamento do programa de renda mínima Cheque Cidadão, do restaurante popular e do subsídio ao ônibus. Uma suspeita de irregularidade no cadastro do Cheque Cidadão às vésperas da eleição municipal de 2016 levou Garotinho, então secretário de Ação Social do município, à prisão (ele foi preso novamente em 22 de novembro, mas por outro caso). Garotinho e Rosinha aguardam julgamento em ação por improbidade administrativa (o ex-procurador-geral da prefeitura Matheus José diz que no orçamento de 2016 havia expectativa de receber pagamentos atrasados de royalties, determinados pela Justiça, que não se cumpriram. Afirma também que o aumento na despesa se deveu a contratações necessárias e que são falsas a informação do déficit de 2016 e a acusação contra Garotinho por causa do Cheque Cidadão). “Campos se acostumou com a renda fácil e não fez nada para dinamizar a economia”, diz Julia Febraro, economista da Fundação Getulio Vargas.

 A Noruega é um exemplo bom de uso de royalties. A produção de petróleo no país disparou nos anos 1980 e o governo criou um fundo que passou a se alimentar desses recursos em 1996. “Eles investem em políticas e projetos que tragam ganhos para as gerações futuras”, diz Vianna, da Cândido Mendes (o fundo norueguês passou de US$ 1 trilhão neste ano e investe em ativos como empresas de tecnologia da informação e imóveis. Hoje, obtém de investimentos variados retorno maior do que da produção de petróleo). Campos criou fundo similar em 2001, para investir em empresas locais. Autor de uma dissertação de mestrado sobre o assunto, defendida na Ucam, o pesquisador José Alves de Azevedo Neto verificou que os recursos foram mal dirigidos. Uma parte foi para a decadente indústria canavieira local e outra para empresas que acabaram fechando. O fundo recebeu, entre 2010 e 2014, pouco mais de R$ 70 milhões, um nada perto dos bilhões que a cidade recebeu no período e foi usado para despesas correntes. “Os tribunais de contas também deveriam criar normas para exigir melhor uso dos recursos”, diz Cláudio Porto, sócio da consultoria Macroplan, especializada em gestão pública.

 Depois de 20 anos de histórico em mau uso da renda do petróleo e diante da produção crescente do pré-sal, é de perguntar o que fazer para as cidades recebedoras de royalties planejarem melhor. Em 2012, de olho nos royalties, prefeitos de todo o país conseguiram que o Congresso aprovasse um modelo que derrubava as regras que beneficiavam o litoral fluminense. Estenderam os ganhos para os demais municípios. Há uma disputa no Supremo Tribunal Federal sobre como calcular esse pagamento. De certo, sabemos que, um dia, o fluxo de royalties vai acabar. Devemos ter muita pressa para aprender a usá-los.

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